Carlos
Nougué
Proêmio
Não houve
maior desgraça e crise na história da Igreja que a ocasionada pelo Concílio
Vaticano II. Comparada a esta, a crise do arianismo – pela qual, no dizer de
São Jerônimo, “o mundo dormiu cristão e, sobressaltado, acordou ariano” –
mostra-se pequena.
E, com
efeito, diante da tremenda crise aberta pelo Concílio Vaticano II, dividiram-se
e dividem-se os católicos.
1. Uns são fautores do mesmo concílio e de suas sequelas. A estes não
podemos chamar católicos senão ao modo como um câncer pode dizer-se daquele que
o porta. São os que propriamente podemos chamar lobos em pele de cordeiro.
2. Outros – talvez a maioria – repetiram e repetem os erros desses
fautores sem saber que se trata de erros e crendo-os em perfeita continuidade
com o estabelecido pelo magistério anterior. A estes não podemos chamar
propriamente hereges; mas tampouco se podem ignorar os perigos a que sua alma
se encontra exposta.
3. Outros ainda, diante daquilo que perceberam proscrito pelo
magistério anterior e que, no entanto, era sustentado pela própria hierarquia
conciliar, se foram afastando da vida religiosa e dos sacramentos, e tenderam a
perder a fé.
4. Uma parte, por certo devido a alguma graça para que percebesse
mais certeiramente o infortúnio que implicaram e implicam o Concílio Vaticano
II e seu seguimento, opôs-se e opõe-se ao chamado magistério conciliar. Mas
esta parte se subdivide.
a. Uns, mais próximos da verdade, nem sempre porém sabem fundar sua
oposição em doutrina mais sólida, razão por que alguns destes (como os
superiores da atual FSSPX), sustentando a necessária visibilidade da Igreja e
pois a necessidade de sua mesma regularização canônica, acabam por aderir de
algum modo à hierarquia conciliar.
b. Outros – os sedevacantistas –, julgando absolutamente impossível
conciliar heresia e jurisdição, acabam por atentar contra a necessária
visibilidade da Igreja. Incluem-se aqui, de algum modo, os chamados
eclesiavacantistas, para os quais a Igreja se reduz a eles mesmos, apesar de
seu ínfimo número e de sua falta de jurisdição.
5. Tem-se por fim a chamada “linha média”, que, sem ver como
conciliar a devida docilidade ao magistério com a oposição ao magistério
conciliar, acaba por favorecer, de maneira vária e mediante os mais diversos
artifícios teológicos, a este mesmo magistério. – Da linha média entram a fazer
parte, de algum modo, os que buscam ou alcançam a referida regularização
canônica.
Pois bem,
incluímo-nos entre os que se opõem ao magistério conciliar e não buscam
regularizar-se canonicamente sob este, e que podem beneficiar-se de doutrina a
mais sólida para fundar sua posição: a exposta pelo Padre Álvaro Calderón (da
FSSPX) na questão disputada A Candeia Debaixo do Alqueire, a qual
por sua vez se funda, naturalmente, em tudo quanto fez, disse ou escreveu Dom
Marcel Lefebvre, mas elevando-o ao plano da mais estrita ciência teológica.
Esta questão disputada é o terreno seguro em que podemos alicerçar nossa
postura sem desviar-nos para o sedevacantismo (ou para o eclesiavacantismo) nem
para a linha média e o acordismo.*
Desse modo,
a série que iniciamos com este proêmio visa a mostrar a justeza e a necessidade
de resistir ao magistério conciliar, e especialmente ao papado de Francisco,
cujo caráter catastrófico a chamada linha média e os acordistas do dia se negam
de algum modo a ver perfeitamente. Mas não o poderíamos fazer, insista-se, sem
demonstrar a possibilidade de unir tal resistência à devida docilidade ao
magistério, e esta demonstração é A Candeia Debaixo do Alqueire a
que no-la possibilita cabalmente.
Sucede
todavia que esta mesma questão disputada não é de fácil compreensão para os
ainda não dotados do hábito intelectual da teologia (e teologia tomista). Eis
pois a razão central desta série: tornar A Candeia acessível a
um maior número, e tornar assim mais amplamente compreensível a necessidade de
resistir e seguir resistindo ao chamado magistério conciliar.
Mas há uma
razão suplementar. Não poucos vivem a dizer pelos cantos e pelas sombras que
“esse Carlos Nougué” é cismático, que apoia bispos cismáticos, que é
excomungado, etc. Pois bem, os que assim murmuram terão oportunidade de ver
melhor nossas razões e a resposta que damos a suas objeções à nossa postura
(objeções que, como mandam a boa doutrina e o bom método, hão de expor-se o
mais fielmente antes de ser refutadas). Se ainda assim não se convencerem,
fique desde já o convite a que então busquem refutar-nos publicamente, à luz do
dia, em alguma forma de debate.
Observações.
• Insista-se
em que nos fundaremos muito estritamente em A Candeia Debaixo do
Alqueire. Mas algo será de nossa própria lavra, e obviamente não deverá
imputar-se ao sacerdote da FSSPX.
• Não
responderemos diretamente nesta série ao sedevacantismo e ao eclesiavacantismo,
o que faremos no livro Do Papa Herético. É aliás quanto ao
sedevacantismo que A Candeia nos parece necessitar de
aprofundamento.**
• Nossa série
dividir-se-á nos seguintes artigos:
1. Se o chamado magistério conciliar é infalível;
2. Se se pode pôr em discussão algum magistério, e especialmente o
conciliar;
3. Se o magistério conciliar tem algum grau de autoridade;
4. Se o magistério conciliar impõe sua autoridade de modo indireto;
5. Se a resistência ao magistério conciliar há de ser franca,
sistemática e organizada.
• Como cada
um destes artigos será muito longo, dividi-lo-emos em quantas postagens nos
parecerem necessárias.
• E tais
postagens não virão a lume segundo nenhuma periodicidade preestabelecida, mas
segundo nossa própria disponibilidade de tempo para escrevê-las.
(Continua.)
* Que o Padre Álvaro Calderón
pareça contradizer sua doutrina com sua prática não é assunto que nos interesse
aqui.
** Não dizemos, assinale-se,
que erre quanto a ele, senão que, repita-se, necessita de aprofundamento. E,
com efeito, nosso Do Papa Herético ergue-se sobre dois
pilares: o dito a respeito deste assunto pelo tomista Domingo Báñez
O. P. (1528-1604) e a tese da “jurisdição precária” avançada por Arnaldo Xavier
da Silveira em suas Considerações sobre o Ordo Missae de
Paulo VI. Desde que os lemos pela primeira vez, pareceram-nos grávidos de
importantes desdobramentos, como esperamos mostrar em Do Papa Herético.
FONTE: www.estudostomistas.com.br
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